segunda-feira, 10 de março de 2008

conto de sábado

Já estava acostumada a acordar assim, com essa sensação de incompletude misturada com pendência. Levantou-se e, ao ver seu reflexo no espelho do banheiro, constatou que era impossível se encarar naquele momento. Achou melhor fazer um café para tentar se esquecer da angústia.
Não passou. Nem com a primeira xícara, nem com a última, que esvaziou o bule.
Tentou ler, tentou escrever, tentou gritar. Estava cansada de tentar. Começara a achar que aquela sensação fazia, simplesmente, parte de si. Por que lutar contra esse estado, então? Talvez nem soubesse ser novamente, se fosse separada disso. Seria por isso que nunca conseguira se desvencilhar? Não importava. Ela não desistiria de tentar ser por si mesma. Se livrar disso virara a mais nova missão.
Como lhe era de costume aos sábados, vestiu sua bermuda cor-de-abóbora e sua camiseta branca. Era assim que partia para sua caminhada pela orla. Ia mesmo quando a vontade não batia. Sua mãe sempre lhe dissera que isso fazia com que seu dia começasse melhor. Era, em parte, verdade. Pensava sempre que o dia poderia ser pior do que aquilo.
O sol da manhã, geralmente, acalmava seus pensamentos. Hoje, não. Hoje, pelo contrário, a luz solar estava fazendo de sua cabeça a morada do caos.

Achei bom hoje não ser como geralmente. Essa diferença trouxe uma novidade não muito confortante, que fez crescer. O desconfortável costuma ser produtivo, no fim das contas. No fim ou – por que não?! - no meio também. Para os mais sortudos, pode aparecer boa coisa desde o início. Isso é privilégio que poucas vezes tenho.
Eu era um pouco tola de ficar contente com a calmaria trazida pelo sol da manhã.
É muito errado ter prazer pelo caos? Pode até ser que seja errado. Mas aposto que não sou a única. Acho que no caos eu me sinto menos desordenada. Me sinto num ambiente mais seguro. A organização tem um peso - um compromisso de ser constante. Não sei se sou pessoa pronta pra assumir tanto. Talvez seja demais para mim, eu reconheço e posso escapar para o caos. Agora eu conheço essa possibilidade e me permito esse trânsito. Isso pra mim é uma conquista. Eu assumo ter gosto pelo caos. Tenho menos medo de mostrar minha humanidade. Menos medo da imperfeição.
Na volta para casa comecei ter certa afeição pela angústia desse sábado.

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