sábado, 31 de maio de 2008

carnaval

Naquele pré carnaval, quando soube que o Miguel vinha, fiquei muito feliz. Expectativa insana, imaginação a mil. Imaginei os dias de sol com o Miguel. O Arpoador com o Miguel. O boitatá com o Miguel. a cerveja da manhã com o Miguel. acordar com o Miguel ao meu lado, de novo. E de novo. Imaginei o Miguel, no carnaval, fantasiado de namorado, de meu namorado. E quis que não fosse fantasia de carnaval. Mas ele vinha era no carnaval e só podia ser fantasia. então, que assim fosse.
mas que fosse logo. que o carnaval chegasse logo porque eu não aguentava mais me guardar. Que o Miguel chegasse!
Já era quinta-feira, quase hora do Carmelitas. uma metade minha empurrou a outra, que só iria se fosse ao encontro dele, até santa teresa, sozinha, sem ele. porque o Miguel não tinha telefonado.
talvez ele tivesse desistido. talvez o carnaval noutro lugar fosse melhor. e, de repente, eu fiquei com medo de não ver mais o Miguel.
Mas, naquele primeiro calor de carnaval, no primeiro porre, me disseram que ele tava aqui sim. já tinha chegado, e tomado umas.
E o meu susto foi tanto, que eu quis chorar.

terça-feira, 20 de maio de 2008

seu garçom, faça o favor...

Sentaram-se no balcão. porque quem sabe pedir, se senta no balcão. eles acham que pedem bem, muito bem.
- Pra mim, um café-com-leite-muito-quente. fervendo, amigo!
- Eu quero, por favor, um carioca. e uma água, sem gás, garrafa.

- o café-com-leite, sabe, julia, eu só consigo beber muito quente. fico pensando, pensando... acho que é porque é um encontro e tanto, né?! o preto do café com o branco do leite. é tão contrastante, sabe, um impacto mesmo. só desce quente. só faz sentido quente. união fria não tem nenhuma graça.
você é diferente, né?! bebe café e água, tudo ao mesmo tempo, um gole seguido do outro até que os dois se acabem. eu sei, o encontro que você gosta é outro, do quente com o frio, gelado. o quente só faz sentido pra você a partir do gelado.
mas até parece com o que eu sinto, porque um só faz sentido a partir do outro, né?! o café só é café porque tem o leite. e o seu café só é quente porque tem uma água gelada que vem depois.
né?!

- Miguel. tem dias que café-com-leite é só café-com-leite. hoje é esse dia. tá?

segunda-feira, 12 de maio de 2008

o corpo, arrepiado, tremia e tremia. deitada na cama, sentia cada pedaço do seu corpo como se tivesse vida própria. o coração, batendo muito rápido. os braços, abraçando o corpo. as pernas, entrelaçadas, tentando fazer o frio passar. os pés, gelados demais. os dedinhos, congelados. vinha frio de lá de fora, mas o frio que vinha de dentro...
os lábios, roxos. roxo pálido, roxo sem vida.
as roupas, todas coloridas. blusa amarela, cor do sol. os sapatos vermelhos, assim como as unhas dos pés e das mãos. um anel azul, a saia roxa - um roxo com vida.
impossível fazer dormir esse corpo tão acordado.

se levantou e veio escrever. não sabia fazer outra coisa da vida, senão escrever.
sem título.

sábado, 3 de maio de 2008

mas o que me impressiona, sabe, é o viver-deixando-pra-lá.
porque eu, eu gosto de guardar, de segurar, de ficar pra mim. deixar pra lá é deixar pro outro. se quiser, pode pegar. qualquer um.
E eu que achava que o Homem quisesse ser senhor de suas posses. Duvido disso.
Nem sei se eu sou senhora das minhas, mas me sairia uma senhora e tanto. Teria que ser dona de cada coisa - cada coisa horrível! eu devia deixar pra lá.
mas é meu hábito - guardar. por isso os meus nós na garganta, o meu suor frio, a minha mão quente. eu gosto de guardar.
me ensina a deixar pra lá?
por isso tantas lágrimas, por isso a piscina de angústia. ainda se fosse mar, mar vai-e-volta, vem-e-vai.
tanto que eu preciso libertar.
tanto que eu preciso aprender.
tanto que eu achei que fosse de todos, mas é só meu.
tanto que eu repito.
eu sou muito nova no mundo. Ou talvez seja burra-velha. não sei fazer tantas coisas.
vou me arriscar a aprender na marra.

e se?

se eu soubesse
beber sem me embebedar
comer sem me empanturrar
gostar sem amar
brincar sem me ralar
se eu soubesse
querer, só um pouquinho
chorar sem me debulhar
viver sem me jogar
cantar sem berrar
ah, se eu soubesse
ser intensa, mas nem tanto.
se eu soubesse deixar o exagero: seria eu deixando?